Depois de uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que restringiu a atuação policial em favelas do Rio de Janeiro durante a pandemia de covid-19, organizações criminosas - em especial o Comando Vermelho - expandiram o seu domínio sobre o estado.
A conclusão consta de relatório entregue na nessa quarta-feira (10) pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) ao ministro Edson Fachin, do STF, relator da ação de descumprimento de preceito fundamental 635, apelidada de ADPF das Favelas, em que foi tomada a decisão que restringiu a atuação policial no Rio. O plenário votou o tema em 2020, quando restringiu as operações policiais a “casos excepcionais” .
O relatório foi elaborado por ordem de Fachin com base em dados da Polícia Civil e do Ministério Público. Desde a restrição de operações em favelas, diz o documento, houve uma intensificação da disputa pelo controle de áreas do Rio entre facções rivais. Há conflitos também entre narcotráfico e milícias, mas estes também têm se aliado para enfrentar rivais em comum.
“O que atualmente se observa no Rio de Janeiro é um efeito ‘rouba-monte’, dependendo da expansão de um grupo criminoso da tomada de territórios de outros grupos”, atesta o relatório.
“Ficou evidente que o Comando Vermelho, a maior organização criminosa do Rio, está expandindo suas operações e buscando maximizar seus domínios territoriais”, acrescenta o documento.
Ainda de acordo com o estudo, há atualmente no estado do Rio 1,7 mil localidades influenciadas por grupos criminosos, seja tráfico ou milícia, sobretudo, na região metropolitana da capital. O número tem como base informações de georreferenciamento da Subsecretaria de Inteligência da Polícia Civil. Nesses territórios, praticamente não há entrada de serviços públicos, afirma o documento.
Entre os pedidos ao Supremo, o documento sugere que o STF defina melhor em quais casos excepcionais podem ser deflagradas as operações, “o que tornará mais objetiva a atividade de controle externo da atividade policial”.
Ao receber o relatório, em seu gabinete, o ministro Fachin garantiu que o tema deve voltar a ser discutido em plenário ainda no primeiro semestre deste ano.
O documento destaca também aspectos positivos da decisão do Supremo. “O trabalho de campo revelou que a ADPF nº 635 representa verdadeiro divisor de águas no tema da letalidade policial, não apenas em razão das vidas que já fez poupar, mas, sobretudo, em razão da movimentação institucional que acarretou, abrangendo a formulação e o aprimoramento de protocolos de atuação, a criação de novas estruturas e o aumento de investimentos”, afirma o documento.
Desde que restringiu as operações policiais no Rio, o Supremo tomou diferentes decisões sobre o tema, incluindo a imposição de 11 medidas para aprimorar o trabalho das polícias no estado. Foi realizada também uma audiência pública sobre o assunto.
Outro destaque do relatório do CNJ focaliza os “graves problemas estruturais” do serviço de perícias criminais no Rio. O déficit no corpo funcional de peritos e peritas é de quase 50%. Além disso, dos ativos, grande parte já atingiu os critérios para a aposentadoria, “cenário que pode fazer piorar o já tão grave problema”, frisa o levantamento.
A situação contribui para a baixa elucidação de crimes. Há no momento mais de cinco mil celulares a espera de perícia no Rio. Somente em 2023 foram feitas 137 mil solicitações de perícia no estado.
“Por mais bem feitas que sejam, é inevitável que demorem em razão do déficit de pessoal, o que acaba por fazer aumentar a sensação de impunidade e o sentimento de revolta nas comunidades”, avalia o relatório.
Ele acrescenta a necessidade de conferir autonomia à polícia científica do Rio, tema que divide a categoria. Hoje, o setor de perícias criminais está sob o guarda-chuva da Polícia Civil. Das duas entidades que representam os peritos criminais no estado, uma é a favor e outra contra a independência com diferentes argumentos.
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