Pesquisadores e representantes da sociedade civil defenderam nesta terça-feira (16) o aperfeiçoamento do projeto de lei que institui o Estatuto do Pantanal. Em audiência pública na Comissão de Meio Ambiente (CMA), os debatedores avaliaram que o aquecimento global e as mudanças climáticas justificam a adoção de uma legislação adequada para lidar com os riscos crescentes em termos ambientais. Ela deve contribuir para a proteção e conservação da fauna e flora e atender produtores rurais do bioma, que abrange mais de 150 mil quilômetros quadrados e constitui a maior planície contínua alagada do mundo.
O projeto de lei 5.482/2020 , que disciplina a conservação e a exploração sustentável do Pantanal, é relatado pelo senador Jayme Campos (União-MT), que propôs a realização do debate. O senador disse que está aberto ao recebimento de sugestões que contribuam para o aperfeiçoamento do substitutivo apresentado ao projeto, de autoria do senador Wellington Fagundes (PL-MT).
Jayme Campos defendeu um tratamento diferenciado para o Pantanal, a partir da criação de um instrumento jurídico que favoreça o homem pantaneiro e penalize os infratores ambientais. O estatuto pretende disciplinar a conservação, a proteção, a restauração e a exploração sustentável do Pantanal, com a definição de princípios e um regime jurídico próprio ao bioma, como forma de possibilitar maior segurança jurídica e ações integradas e coordenadas pelos estados que fazem parte da região.
— O Pantanal é um bioma extremamente fragilizado, mantém um turismo precário, em termos de infraestrutura. O poder público não deu o tratamento que o bioma exige, sobretudo após os incêndios de 2020. As grandes áreas de incêndio têm início nos parques sob proteção do governo, que não têm estrutura, equipamento e fiscalização adequados. O Estado não está presente. Vamos construir um Estatuto do Pantanal para que o bioma seja respeitado, mas não podemos esquecer o pantaneiro, simples e trabalhador, com um relatório que atenda a todas as representatividades da região — sustentou Jayme Campos.
Autor do projeto, Wellington defendeu o aperfeiçoamento do texto original e a ampliação das discussões sobre o tema. De acordo com o senador, o fogo ameaça o Pantanal e o homem pantaneiro, e mais de 93% da região está na mão da iniciativa privada, a quem cabe cuidar da sua preservação. Ele avaliou que a legislação é necessária para evitar que crimes ambientais sejam cometidos no bioma, que é patrimônio natural e da humanidade.
— Já fizemos dez audiências públicas, algumas in loco, com a participação de 51 instituições. É fundamental definir melhores práticas de exploração dos recursos naturais do Pantanal, garantindo assim sua preservação e usufruto pelas gerações futuras. É importante avançarmos nesse sentido. Dificilmente se consegue ter a legislação perfeita. Ela poderá ser aperfeiçoada na Câmara. Nós precisamos trabalhar no sentido de ter uma legislação que possa ser aprovada, porque essa omissão pode redundar em interpretação do Judiciário que não seja fruto de nossa discussão. Mato Grosso e Mato Grosso do Sul têm legislação que diferem em muitos pontos, e uma legislação federal pode contribuir para dirimir conflitos — explicou Wellington.
O diretor do Departamento de Conservação e Uso Sustentável da Biodiversidade do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), Bráulio Ferreira de Souza Dias, destacou que o Pantanal é um patrimônio nacional e merece a atenção de todos, como forma de promover a boa gestão do bioma.
— Preocupa-nos a situação do Pantanal. O governador do Mato Grosso do Sul acabou de declarar emergência climática por causa da seca. Corremos o risco de repetir o cenário de 2020, de grandes incêndios e riscos ambientais. Infelizmente, com o cenário de aquecimento global e mudanças climáticas, nos preocupa as vulnerabilidades permanecerem nas próximas décadas. Vamos encaminhar sugestões ao Senado para aproveitar melhor essa oportunidade do projeto de lei para enfrentar esses desafios, com a adoção de critérios científicos para preservar a região – afirmou Dias.
O diretor executivo do Instituto Socioambiental da Bacia do Alto Paraguai - SOS Pantanal, Leonardo Pereira Gomes, disse que o estatuto possui méritos, mas criticou as alterações contidas no substitutivo.
— A gente não vê ali [no texto do substitutivo] a essência do Pantanal, o pantaneiro, as Apps [áreas de preservação permanente], as características do Pantanal, o reconhecimento das zonas úmidas. O texto original favorecia mais a conservação da região, das características do Pantanal. A gente vê muitas ameaças de fora e o novo texto exclui essas possibilidades. O [projeto] original propôs estímulo ao turismo, e a gente perde no substitutivo a possibilidade desse incentivo. O substitutivo vai impedir o trabalho dos estados [da região]. O texto não é a cara do Pantanal — avaliou Gomes.
A defensora da Biodiversidade e do Clima da Environmental Justice Foundation (EJF) ou [Fundação da Justiça Ambiental, que atua em 16 países], Luciana Leite, também criticou as alterações contidas no substitutivo apresentado por Jayme Campos. Após apontar a falta de representantes das comunidades tradicionais do Pantanal no debate, ela lamentou a ocorrência recente de desmatamento químico em mais de 80 mil hectares do Pantanal para criação de gado. A ativista ressaltou que o momento atual exige um instrumento legal que ajude no regramento e na recuperação do solo e no uso sustentável do bioma, que considerou “ausentes no substitutivo”.
— O Pantanal é conhecido pela diversidade de povos e das populações ribeirinhas que sofrem com instrumentos legais que ameaçam o seu bem viver. A conectividade ainda não é realidade a todos os povos originários. No substitutivo, sentimos falta de menção à bacia do alto Paraguai [principal rio formador do Pantanal], de uma política pública de regramento e recuperação do planalto para a saúde hidrológica do curso das águas do Pantanal e a proteção dos povos originários — afirmou Luciana, citando ainda a falta de regras para infraestruturas, construção de rodovias, hidrelétricas e mineração na região.
O diretor do Instituto Nacional de Pesquisa do Pantanal (Inpp), Paulo Teixeira de Sousa Junior, observou que o Pantanal não está sendo tratado como zona úmida no estatuto, o que contraria as características naturais da região.
— Sentimos falta de tratamento do Pantanal como zona úmida. O projeto fala muito de floresta, mas esquece da água. Considerar a bacia do alto Paraguai é fundamental, o Pantanal está mais seco desde sempre, o que reforça a necessidade de incluir recursos hídricos no projeto. Há um agente desfolhante de alta toxicidade que desmatou área igual a de Campinas [SP]. Temos que ver a questão da fiscalização também. No geral, o projeto perdeu um pouco com o substitutivo, mas considero o texto meritório. Nós precisamos de uma lei para o Pantanal, e que essa lei seja genérica, com diretrizes e princípios. Temos 12 pantanais diferentes no ambiente do Pantanal, com características e hidrologias diferenciadas. [O ideal é] que depois cada um dos estados do Pantanal faça as suas leis, contemplando essas particularidades — afirmou Sousa Junior.
A presidente do Instituto Ambiental Augusto Leverger (Iaal), Silvana Dias de Campos, ressaltou que o Pantanal “está se desmanchando em pedaços”.
— Os garimpos de Poconé estão matando os animais e as terras, expulsando o pequeno produtor, invadindo os quilombos, ameaçando a soberania alimentar do pantaneiro. O estatuto tem que dar voz ao pantaneiro, aos povos originários, aos quilombolas e às comunidades tradicionais — defendeu Silvana.
O cacique da aldeia Aterradinho e representante da etnia indígena Guató, Carlos Henrique Alves de Arruda, cobrou “um olhar mais direto” aos pantaneiros e à população ribeirinha. Ele citou a pobreza e as dificuldades de subsistência, defendeu uma proposta de sustentabilidade para o povo indígena do Pantanal e que seja também fonte de renda para os povos da região.
O gerente jurídico da Federação da Agricultura de Mato Grosso (Famato), que representa mais de 33 mil produtores rurais, Rodrigo Gomes Bressane, defendeu a elaboração de normas que venham, de forma genérica, a contemplar todos segmentos ambientais, sociais e econômicos do Pantanal.
— O Pantanal é um bioma estratégico. O estatuto deve ser feito de forma ampla e genérica. Cada estado já possui regulamentação própria. O projeto contempla maior resguardo do meio ambiente e cumpre requisitos do Código Florestal brasileiro. A integração do ambiente, do homem e do gado deve permanecer para a sobrevivência do próprio Pantanal, levando em conta o embasamento cientifico e a exploração sustentável da região, o correto uso e manejo do gado. O ato da devastação química do Pantanal não representa o homem pantaneiro. O que a gente precisa é de monitoramento, fiscalização, investimentos, políticas públicas protetivas — disse Bressane.
O diretor-tesoureiro do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil OAB) e ex-presidente da entidade em Mato Grosso, Leonardo Campos, defendeu a adoção de políticas públicas para o Pantanal que levem em conta o homem que vive na região.
— Não adianta falarmos de Pantanal se não pensarmos em políticas públicas efetivas para o bioma. E a primeira delas é a fixação do homem pantaneiro, é dar condições para que o homem pantaneiro se fixe no Pantanal, que o homem pantaneiro utilize o Pantanal de forma sustentável, mas dele tire a sua fonte de renda. Fixar o homem pantaneiro no bioma está obrigatoriamente atrelado a dois pontos fundamentais: a presença do gado, que a pecuária extensiva é a principal atividade econômica, aliada ao turismo. Os incêndios florestais, que atingiram 2020, voltam a ocorrer exatamente nas unidades de conservação. Essas unidades precisam da devida manutenção e da presença do poder público. Se não, serão uma indutora de focos de calor e de incêndio. E, nas outras regiões, a presença do gado com a presença do homem pantaneiro inibe os focos de calor — afirmou Campos.
O promotor de Justiça de Mato Grosso, Rodrigo Fonseca Costa, afirmou que, “ao falar do Pantanal, é preciso sempre discutir o que é legal e separar aquele que age dentro da lei daquele que age fora da lei”.
— Qualquer área tem que ter uma exploração econômica para a sobrevivência da população que ali reside. Não há como sair disso. São propriedades. O Estado não vai conseguir ser dono de todas aquelas propriedades e cuidar de tudo. Então você vai ter que ter a propriedade particular, e qualquer pessoa que tenha uma propriedade particular tem uma justa expectativa dali tirar o seu sustento. Cada vez mais temos que ter uma legislação que puna de forma exemplar quem age contra ela e auxilie aquele que age dentro dela, inclusive com financiamentos públicos. Aquele que age dentro da norma, quer um ambiente sustentável, dali tirar o seu sustento e também auxiliar o meio ambiente, tem que ter um privilégio. Aquele que quer destruir realmente tem que ser punido com sanções administrativas, cíveis e até penais, nos casos mais drásticos — concluiu.
Mín. 22° Máx. 37°
Mín. 21° Máx. 28°
ChuvaMín. 20° Máx. 22°
Chuva