A proposta de repasses mínimos de recursos de fundos constitucionais de financiamento a instituições financeiras federais provocará menor capilaridade, priorização dos menos favorecidos, aumentará os riscos, provocará redução de tributos recolhidos e colocará em xeque a transparência. É o que afirmaram debatedores durante audiência pública na Comissão de Desenvolvimento Regional (CDR), nesta terça-feira (9), que ouviu especialistas para melhor instruir o PL 5.187/2019 .
A proposta, do senador Irajá (PSD-TO), é relatada na CDR pela senadora Margareth Buzetti (PSD-MT). O texto tem como mote principal determinar aos bancos administradores o repasse de 40% dos recursos previstos para cada exercício dos Fundos Constitucionais a outros bancos.
A audiência foi solicitada pelo líder governo no Senado, senador Jaques Wagner (PT-BA), que presidiu a reunião, e pelo líder do governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues (Sem partido-AP).
— Me parece que a gente esteja se deparando com regiões que têm naturezas diferentes. Talvez fosse interessante, o foco ser um pouco diferente, porque são realidades bem distintas de cada região — disse Wagner.
Buzetti disse que participou da audiência mais para ouvir e chegar a conclusões, mas também destacou as particularidades de cada região.
— O FCO atende somente aos grandes, não consegue atender aos pequenos. Talvez seja isso de ver as realidades de cada estado — disse a senadora.
Secretário Nacional de Fundos e Instrumentos Financeiros do Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional (MIDR), Eduardo Corrêa Tavares combateu a ideia de que haverá "empossamento" dos recursos. Ele afirmou que, por mais que tenhamos espaço para aprimorar os modelos, a forma que está sendo proposta cria riscos com a perda de transparência e governança.
— Quando a gente descentraliza, tira dos bancos administradores, a gente acaba perdendo o controle de como esses recursos vão ser aplicados. (...) Hoje contratamos mais do que o previsto. Em 2023, foram aplicados 104% do que estava previsto, temos demanda e não "empossamento" de recursos — afirmou Tavares.
Entre as principais diretrizes dos fundos constitucionais está o atendimento preferencial a microempreendedores individuais (MEI), microempresas (ME), empresas de pequeno porte (EPP) e o pequeno produtor rural, com atendimentos a partir do estabelecido pelo conselho deliberativo (Condel) de cada região.
Segundo o assessor especial do Ministério da Fazenda, Marcello Froldi Negro, retirar 40% dos recursos previstos dos bancos públicos diminuirá o repasse de dividendos para a União, que também poderá ter de vir a aumentar o socorro aos bancos.
Negro também destacou a redução de arrecadação, visto que algumas instituições financeiras são isentas de pagamento de impostos.
— O risco de comprometimento dos bancos públicos com uma eventual alocação de 40% dos recursos é iminente. (...) Não existe "empossamento" de liquidez dos bancos, a demanda por recursos é maior do que os recursos disponíveis no fundo e os bancos públicos tem uma capilaridade que os bancos privados não têm — expôs o assessor do Ministério da Fazenda.
Outra preocupação é que com a alocação de 40% dos recursos em bancos privados, haja o risco de que os clientes acessem os recursos por duas ou três portas e, como os recursos são finitos, “os mais necessitados lá na ponta não seriam atendidos”, segundo Negro.
Vice-presidente de Negócios Governo e Sustentabilidade Empresarial do Banco do Brasil, José Ricardo Sasseron explicou que antes mesmo da criação do Fundo Constitucional de Financiamento do Centro-Oeste (FCO), o BB já tinha uma presença muito forte na região, onde há grande demanda de financiamento agropecuário.
Sasseron explicou que a distribuição dos recursos do FCO é feita conforme deliberação do Condel, e que em 2023, além de R$ 11 bilhões liberados pelo FCO, foram emprestamos mais R$ 82 bilhões pelo banco.
— O BB está presente em todos os 467 municípios do Centro-Oeste e em todos eles houve operação do FCO; 82% dos recursos do FCO são destinados aos minis, micros e pequenos empreendedores e produtores rurais — disse.
Para o representante do BB, se houver destinação de volume maior para outras instituições, a tendência é que sejam atendidos mais médios e grandes empreendedores e produtores.
— Quando a gente faz o repasse para outras instituições, pode levar a concentração nas mãos de poucos, e com empréstimo para quem oferece menores riscos.
Sasseron também destacou os impactos nas contas públicas, ao ratificar que o BB distribui dividendos para o seu controlador, no caso o governo federal. Ele também lembrou da questão tributária, já que “os bancos recolhem tributos e as cooperativas não recolhem tributos”.
Diretor de Crédito do Banco da Amazônia S.A. (Basa), Roberto Batista de Paula disse que em 2023 foram aplicados R$ 11,3 bilhões do FNO, que atenderam a demandas como recuperação de ares de pastagens degradas, eletrificação solar no campo, plantio direto na palha, modernização do agronegócio, entre outras, em 450 municípios da região.
De Paula destacou que no final do ano passado faltavam R$ 2,5 bilhões para cumprir o que já havia sido acordado, o que comprova não haver "empossamento" dos recursos, mas falta.
Já o diretor de Planejamento do Banco do Nordeste do Brasil S.A. (BNB), José Aldenir Freire, enfatizou que em 2023 foram contratados R$ 43 bilhões por meio do Fundo Constitucional de Financiamento do Nordeste (FNE), mas ainda faltaram R$ 9,6 bilhões que não foram atendidos porque não havia disponibilidade de recursos.
— O volume de financiamento que se tem para os próximos dez anos é gigantesco. (...) Nós olhamos para o futuro e vemos o Nordeste como um grande drive de desenvolvimento do país e precisamos de mais recursos.
O BNB atua em 2.074 municípios. Segundo Freire, 64% do FNE atendem ao semiárido e 83% englobam os municípios prioritários do Programa Nacional de Desenvolvimento Regional.
Freire explicou que a descentralização do recurso vai fazer com que os outros bancos atendam aos grandes empreendedores e produtores, deixando os mini e pequenos, que têm maior inadimplência, somente para os bancos públicos, o que irá sobrecarregá-los.
— Estamos dispostos a discutir a melhor operacionalização do programa, mas outros caminhos que não esse — afirmou o diretor do BNB.
Presidente da CDR, Marcelo Castro (MDB-PI) afirmou que foi demonstrado na audiência que as razões elencadas no projeto para o repasse de 40% a outros bancos não se justificam para que se possa aprovar esse projeto, “já que todas as áreas e os municípios estão sendo atendidos”.
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